quinta-feira, 13 de maio de 2010

Solidão a dois

Estava sentada em um banco de praça, como de costume alguém se aproximou. Já imaginava como seria: apenas mais um solitário em busca de companhia, mais um que não possuía vigor suficiente para viver sozinho, apenas mais um que se enganava, mais um que fingia adequar-se ao padrão, ao sacrifício da negação de si exigido pela sociedade moderna.
_Olá. O que uma moça tão bonita faz tão só?
Nesse momento sentiu o estômago revirar, nunca sentiu tanta indiferença – não! Não era indiferença, era mais – isso a havia afetado – era desprezo. Resolveu testar até onde iria.
_Olá. Não estamos todos sós?
_Todos? Ah, não. Vá me desculpar, mas olhe ao redor, olhe quantas pessoas conversando, se divertindo, namorando. Não acredito que estas pessoas estejam sós.
_ E você?
_Eu nunca estou só, tenho amigos. Caso os perca, ainda me resta minha família.
_Raramente os membros de uma mesma família são criados sob o mesmo teto.
_ Aha! –disse o ser tão desprezível, com ar de vitória – então você admite que meus amigos são minha família!
_Não admito nada, não ponha palavras na minha boca. Só quis dizer que os laços sanguíneos não o fazem menos só.
_Não sou só – ele repetia como se quisesse convencer a si mesmo.
_Não é só... – repetiu ela, desinteressadamente.
Passou-se algum tempo. O rapaz parecia estar procurando algo para dizer, ou talvez estivesse imaginando o que se passava pela cabeça de uma menina tão incomum. Não fixava os olhos em um ponto, não estava concentrado, suas pernas estavam agitadas, o nervosismo percorria todo seu corpo. A menina permanecia impassível, o olhar distante, o pensamento longe parecia nem mesmo se dar conta da presença da pessoa que julgou tão baixa e indigna.
_Não sou só! – Disse por fim.
Não se sentiu incomodada ao ser resgatada de seus pensamentos, não sentia mais desprezo só a habitual indiferença que tinha pela maior parte das pessoas, acreditava que uma das coisas mais simples de se perceber era a insignificância das pessoas. Não no geral, mas para cada um, sentia que pra ela quem importava eram as pessoas que amava e que assim é para todos os outros. Via na TV várias mortes por dia e sabia não sentir compaixão alguma por elas, na verdade não sentia compaixão por ninguém: considerava compaixão como uma permissão para o sofrimento – queria distância disso, distância de tudo que a fazia mal. E pessoas como a que a estava sentada à sua frente eram exemplos do que baixava sua auto-estima, mas já havia familiarizado-se com esse tipo de gente.
_Não é só? Quem está com você agora?
_Ei! Espere aí. Há uma diferença entre estar só e ser só. Estamos sós quando não há ninguém por perto e somos sós quando mesmo que queiramos não há ninguém por perto. –Ao dizer isso instintivamente inflou o peito achando que havia dito uma coisa e tanto e pensando como a garota se sairia.
_Então proximidade física significa não estar só?
_Ah, o que você chama de solidão então?
Nesse momento achou ser inútil continuar a conversa, arrependeu-se de tê-la permitido.
_ A solidão? Ela é tão presente entre os homens... Talvez o mais presente dos sentimentos. Todos, sem exceção, sentem-se só. Impossível não sentir. Olhamos ao redor, o que vemos?
_Vejo a praça, vejo pessoas! – Ele respondia quase como um reflexo, pura reação.
_ Vemos pessoas, são nossos iguais? Vemos animais, são nossos iguais? Quem poderia nos fazer companhia?
_Estou lhe fazendo companhia agora!
_Não mesmo.
_O que estou fazendo aqui então?
Achou melhor ignorar essa pergunta. Começou um monólogo consigo mesma.
_ Olhamos ao redor e nos sentimos sós, sabemos sermos essencialmente sós. Nascemos sós, vivemos constantemente sós e temos consciência disso. Não podemos nos expressar! Palavras não são suficientes! Sentimentos transbordam! Pensamentos! Subjetividade! Idiossincrasia! Precisamos não ser, precisamos de uma máscara para viver, criamos nossa imagem e a apresentamos, guardamo-nos para nós mesmos. A própria comunicação se revela impossível.
_Você é estranha, sabia? Não procura alguém pra dividir sua vida, seus problemas, não quer deixar de ser só?
_Prestou atenção no que eu disse?
_Não sonha em deixar de ser só? Em encontrar outro como você, em abandonar a solidão?
Pensou durante algum tempo...
_Sonho com uma dualidão.
...

domingo, 9 de maio de 2010

A Menina das Curvas Imaginárias

Andava alegre pela cidade, aos saltinhos, vez por outra distraía-se, com era comum, ocupando-se em saltar as listras negras da calçada ou com uma ou outra pessoa que passava por ela. Vez por outra passava diante de uma superfície refletora e distraía-se também a olhar-se. Parava. Olhava-se apenas por um instante, se virava e recomeçava sua caminhada – por vezes nem sequer parava.

Achava curioso as diferenças existentes entre as pessoas, altas, baixas, magras, gordas, irritadas, massificadas, alegres, carecas, bonitas etc. As diferenças eram inumeráveis. Mas algo em especial chamava sua atenção: as curvas. As meninas, em sua maioria, possuíam curvas e davam muito valor a elas, e não só elas; os rapazes também se interessavam muito mais pelas meninas que tinham curvas.

Eram sempre as mais bonitas, as mais cobiçadas: o padrão de beleza. Todos às queriam. Ela, por sua vez, não era uma dessas... Mas não queria se “incluir fora” dessa, não queria ficar à margem, queria pertencer ao padrão, se encaixar, de tal modo que criava suas próprias curvas, imaginava-as para si. E, como acreditava que as tinha, assim era. Vivia, então, feliz, por adequar-se ao padrão.

...

Ei, espere aí! Essa não era ela. Essa era, talvez, como alguns a viam. Mas a menina não precisava dessas curvas, nunca precisou. Lhe eram absolutamente contingentes. Tê-las era como regar uma alga marinha. Ela era mais que essas curvas, mais que aparência. Que importavam a ela essas curvas? Não afetariam em nada o seu ser. Isso não faria dela quem ela é. Que importava sua imagem, sua epiderme? Ela sabia quem era e como era, não precisava que ditassem as regras: regras de comportamento, vestimenta, aparência, moral, bem e mal.

A menina das curvas imaginárias nem se quer um dia, imaginara-se com curvas.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

O segredo


Havia acabado de sair de um relacionamento e, embora não quisesse admitir, sofria por isso. Não entedia porque as pessoas precisavam mentir. Parece que elas acreditam que precisam mentir para manter um relacionamento, quando na verdade é sempre ela que causa o fim.


Pensava isso na sala de aula, rodeada de outras pessoas que sabia não conhecer. Mas não as culpava, sabia ser também uma estranha para eles – todas usamos máscaras sociais.


Queria saber se realmente já havia tido intimidade com alguém ou se foi só ilusão, máscara, proteção e mentira. De ambos os lados. Podia ver tudo isso em relacionamentos alheios, e eram raros os que podia enxergar uma transparência mútua, mas o seu próprio era mais difícil, estava próxima demais para enxergar, como quando colamos o rosto na parede e nada podemos ver além de um borrão, porém à medida em que damos passos para trás, nos afastando, percebemos suas cores, desenhos e detalhes.


Perguntava-se se já havia amado realmente ou se foi apenas ilusão. Pro inferno! Claro que amara! Mesmo que tivesse amado uma mentira, uma armadura, amou!


E como era difícil encontrar alguém para amar! Não uma paixonite passageira – mais um pleonasmo desses e me enforco, pesou. Lembrou das poucas pessoas que amou, de como se conheceram, o tempo que passaram juntos e como esse sentimento se desenvolveu.


Como se desenvolveu? Exatamente! Nenhum deles foi “amor à primeira vista” – essas eram as paixonites. Percebeu que acabara de descobrir um grande segredo nunca guardado: descobriu que o segredo de se encontrar alguém para amar é primeiro encontrar alguém para gostar.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Quem?


Mas, não! Não me fale do eterno fluir! Conheço-o bem1 não sou “o mesmo ontem, hoje e sempre”. Tão pouco ambiciono sê-lo. Porém, quem sabe, talvez exista mesmo uma essência daquilo que sou. Não uma essência no sentido aristotélico do termo, uma essência que me desmembre em atributos essenciais e acidentais, pois que haveria de acidental e mim!? Tudo aquilo que faz parte de mim, por menor que seja, sou eu! Não pode ser considerado contingente ao meu ser!

Mas uma essência no sentido existencialista do termo: “nós somos aquilo que projetamos ser”. Não uma essência pré-determinada, uma essência que construímos enquanto somos.

Preciso conhecer a essência que criei...



(Crise existencial é foda!)

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Ela

Proteção, muros e muralhas, quem não os constrói diante de si e ao seu redor? Todos nos protegemos contra os outros, não deixamos que se aproximem, que nos conheçam realmente. De fato, alguns constroem verdadeiras fortalezas com direito a exército de elite com armaduras forjadas a partir do lendário adamantium, protegidos por muros de diamante.

Vemos nas ruas rapazes fortes, altos com um semblante ríspido e óculos escuros para dificultar a aproximação. Um olhar mais analítico revela, entretanto, a insegurança em seus gestos: músculos contraídos, boca crispada, um olhar que não está perdido, mas que também não se fixa, acreditam poder usar seus músculos como proteção pra tudo. Retirando seus óculos vemos novamente a insegurança, desta vez, porém, acompanhada de certo receio – busca aceitação. Olhos não podem ser exercitados, não podem criar músculos.

Criamos nossas defesas em camadas, desde a mais singela, aquela que pode ser quebrada por um sorriso, a que deixamos que transponham ao brotar de uma amizade e aquelas forjadas com o metal dos deuses, a que somente em raríssimos casos pode ser transposta, aquelas cujos grilhões nem mesmo nós ousamos retirar-lhes e espiar por trás das pesadas portas.

Quando prestamos bastante atenção, por tempo suficiente, percebemos nossas muralhas ruírem, às vezes de mãos dadas às muralhas dos que nos cercam, às vezes em compasso diferente. Uma conversa: uma muralha a menos. Um gesto e lá se vai mais uma. A convivência derruba algumas e ergue tantas outras. A imagem criada para o mundo aos poucos se esvai, o material com o que foi construída se desgasta, conhecemos mais a pessoa e, como conseqüência, conhecemos mais também sua imagem e às diferenciamos, às distinguimos. Atitudes mais livres, dúvidas expostas, choros, idéias, comportamento, podemos ver tudo se alterando.

Mas, Ela? Ela é diferente, nunca usou armadura, não se escondeu, não precisou ocultar o seu Eu. É sempre a mesma, “na rua, na chuva, na fazenda, ou numa casinha de sapê”. Suas idéias e frustrações, segredos, personalidade não se alteram com o tempo ou a amizade. Ela se mostrou tal como é desde o primeiro instante e é assim que todos a conhecem. Uma pessoa livre de defesas, aberta ao conhecimento.

Disse isso a Ela um dia.

_Cuidado! Talvez minha armadura seja apenas mais resistente.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

(Sem título)

Sempre se sentiu só, em todos os momentos. Na sala de aula, com a família, com os amigos ou com o namorado, em um show ou no trabalho. Em uma tentativa particular de escapar da solidão mantinha-se sempre acompanhada, mesmo de pessoas às quais não estimava muito, sentia medo de sentir-se só. Conhecia a superficialidade das companhias meramente físicas – eram melhores do que nada, divertia-se com elas. Mas o sentimento de sua solidão não a abandonava.

Não podia entender o porquê de tal sentimento, afinal nunca estava só! Vivia no mesmo planeta que seis bilhões de outras pessoas (mesmo que cada uma delas vivesse em seu próprio mundo), eram raros os momentos em que não encontrava ninguém em sua companhia.

Pensava ela: “Mas o oposto à solidão não é a companhia? O contrário de estar só não é estar acompanhado?”

Seis bilhões de pessoas, cada uma em seu próprio mundo. Seria possível que nenhuma delas estivesse interessada em compartilhar o mesmo mundo que o seu? Foi pensando nisso que percebeu que estava errada, que ter várias pessoas em seu convívio não significava que ela não estaria solitária, percebeu que o oposto à solidão não é a companhia, o oposto à solidão é a intimidade.

sábado, 26 de setembro de 2009

Delfos



Sonhou uma vez, duas, três vezes.Sonhou toda uma semana e outra após. Duas semanas seguidas o mesmo sonho! Isso nunca havia acontecido antes. E não era um sonho comum, sentia algo diferente nesse sonho, sentia-o profético!

Tinha medo de profecias, sabia de reis que haviam perdido seu reino por causa delas, conhecia a desgraça que deitou sobre a casa de Laio, sabia que profecias eram sempre oraculares – deviam ser interpretadas.

Tinha medo, pois quando havia uma profecia nada podia mudá-la. O conhecimento da profecia fazia com que ela se realiza-se. Fugir, como nas histórias que conhecia, só o levaria de encontro à ela.

Era inevitável; a profecia se abateria sobre ele! Sua tentativa de fuga foi ir de encontro ao que temia. Sonhara que escrevia sobre o sonho que sonhou!

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Chronos

Era noite de luau, estavam na praia, bebendo, conversando e cantando entre amigos, até que uma música lhe chamou a atenção:

“Hoje o tempo voa, amor
Escorre pelas mãos
Mesmo sem se sentir
E não há tempo que volte, amor
Vamos viver tudo o que há para viver!”

A cada vez que ouvia esse trecho repetia os mesmos gestos: levava a mão em direção à areia, enchia-a, mas não se preocupava em fechá-la de todo. Deixando assim que a areia escorresse entre seus dedos.
Já estava em estado de embriaguez, de modo que resolveu explicar o porquê de agir de tal modo – mesmo que ninguém houvesse perguntado.
“A areia escorrendo pelos dedos é a metáfora perfeita para a representação da passagem do tempo para o homem. A ampulheta, um recipiente de vidro por onde a areia –justo a areia!– escorria, movida apenas pela força da gravidade, da parte de cima para a de baixo, foi um de seus primeiros instrumentos de medição do tempo. Esse movimento, como qualquer outro, demanda determinada quantidade de tempo para ocorrer, conhecido o tempo necessário pra a transferência da areia esse instrumento poderia ser usado para medi-lo. Acredito que essa primeira relação entre homem e tempo perdure de algum modo até hoje, além do mais, essa é uma forma de sentir, literalmente Sentir a passagem do tempo. Ele, representado pela areia, escorre por nossas mãos, se a fecharmos o que nos resta? Talvez possamos reter alguns grãos, mas e toda a areia que passou entre nossos dedos, toda a areia que não podemos reter?

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Subjetividades

A sua frente um parque; árvores e bancos; crianças nos brinquedos; atrás de si a igreja da qual acabara de sair. Algo o intrigava: o padre falou sobre um lugar para onde as pessoas boas iriam depois da morte. Chamou-o paraíso, um lugar onde todos seriam felizes eternamente. Esse termo lhe pareceu, não desconhecido, mas vago... Porém aquilo o havia intrigado de tal forma que decidiu descobrir para onde iria após sua morte.
“Sou uma pessoa boa, vou para o paraíso,” – assim pensava a criança – “mas o que é o paraíso?”. E também pensou, como todas as crianças, que os pais saberiam lhe responder, afinal os pais sabem de tudo. De modo que foi ao encontro deles.
_Mãe! O que é o paraíso?
_Ah, o paraíso é um lugar lindo! É um jardim imenso, com flores, árvores e lagos onde todos estaremos vestidos de branco e viveremos eternamente em paz, sem guerras, fome, brigas nem nada disso.
_Mas não teria nada pra fazer?
_Como assim? É o paraíso! – Disse a mãe com tom de fim de conversa.
Não duvidou de sua mãe, mas ainda não havia compreendido. Resolveu perguntar ao seu primo mais velho.
_Primo, você sabe o que é o paraíso?
_Hump! O paraíso é um porre! Um bando de gente vestido de branco sentados em um jardim olhando a grama crescer, tédio total.
_Minha mãe disse que era perfeito.
_Pode ser pra ela, não pra mim. Prefiro ir para o inferno onde terá muita bebida, sexo e rock’n roll.
_Mas como você sabe que o inferno é assim?
_Não dizem que essas coisas são do diabo?
Embora a descrição do paraíso feita por seu primo fosse, em partes, semelhante à de sua mãe, axiologicamente era o seu oposto. O que era o paraíso afinal, a perfeição ou o tédio? Seria a perfeição um tédio?
Lembrou-se, então, que sua mãe adorava jardins, lagos e paz e que seu primo adorava o rock, bebida e, provavelmente, sexo. Percebeu que a descrição do inferno era, na verdade, o paraíso de seu primo. Percebeu que em seu paraíso haveria doces brincadeiras e vídeo game. Deu-se conta de que havia compreendido melhor do que sua mãe, seu primo ou qualquer outro o que é o paraíso.
Anos mais tarde seu filho lhe perguntou: “Pai, o que é o paraíso?” ao que lhe respondeu:
_O paraíso, meu filho, é uma questão pessoal.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

O apaixonado

Ele não entendia como acontecia. Poderia um ato, um pensamento, uma possibilidade de ato ou pensamento acabar com um sentimento? Um sentimento forte! Arrebatador!, e... inexistente... Em apenas um momento pode acabar todo um sentimento? Ele não acabou; metamorfoseou-se! O que era antes, ele não sabia. Poderia ser uma paixão, um amor... Certamente seria, se ele assim permitisse. Mas não o fez. Com razão? Tornou-se agora impossível saber. Transformou-se em um vazio no estômago e um aperto frio e dolorido no peito. Às vezes o que sentia era... nada.
Queria entender como isso aconteceu, queria saber como podia dominar assim seus sentimentos, queria poder fazê-lo quando bem entendesse, mas não podia. Porque bem sabia que esse domínio não existia. Não para ele. Ele não dominava seus sentimentos, não podia dominá-los. Acabou com um sentimento, extinguiu-o de um dia para o outro? Jamais! Sabia que só havia se protegido, protegeu-se contra o sofrimento e sabia também que nada havia feito, ele nunca controlou um décimo do que idealizava controlar, o controle esteve com os sentimentos desde o início, um apenas sobrepôs-se a outro.
Ficou feliz em perceber isso, pois percebendo, sentiu-se, uma vez mais, vivo! Sabia-se amando. Sabia ser impotente contra esse sentimento. Foi escolha sua: ele quis sentir! E sabia que, querendo, sentiria. Pois aquela não era uma pessoa qualquer. Não sabia como funcionava para as outras pessoas, mas para ele... para ele, ela era tudo o que se poderia esperar. Sabia não ser real, sabia que era cegado pelos sentimentos, sabia que era uma menina como outras, mas sabia não poder lutar contra isso.
Perguntava-se se era o único a perguntar-se...

domingo, 26 de julho de 2009

Persona


Estava pronto para ir à mais uma festa; mais uma festa à fantasia. Pegou sua máscara, aquela que lhe caia tão bem, vestiu-a e saiu. Na verdade nem ao menos precisou vesti-la – já a levava consigo.
Ao chegar observou todas aquelas pessoas, cada qual com sua máscara – aquelas que lhes eram próprias. Algumas felizes, outras tristes – mesmo em uma festa – caras amarradas, animadas ou esperançosas. Festas como essas pareciam verdadeiros carnavais.
Ele? Ele era sempre o simpático, o carismático, o engraçado, etc... Isso, com efeito, era o que dizia sua máscara. E as máscaras dos outros diziam tantas outras coisas. Mas como seriam essas pessoas sem seus disfarces? Isso era algo que lhe intrigava. Vivia, porém, a maior parte do tempo sem preocupar-se com isso.
Bebia, ria e conversava com todos mesmo sem conhecê-los, mesmo sem saber o que estava oculto sob suas camuflagens. De fato, na maior parte do tempo ninguém se preocupava com isso.
O que lhe intrigava verdadeiramente, entretanto, eram duas possibilidades: a hipocrisia extrema ou a total massificação? Será que essas pessoas, por usarem tanto suas máscaras, por tanto mentirem quem eram, acabaram por acreditar na própria máscara? Ou será que nem ao menos uma vez deram-se conta de que a usavam, que acreditam ser realmente natural seguir as tendências, as mídias, a moda e tudo o mais que lhes é imposto, que acham natural a supressão de sua subjetividade?
Poderiam elas ter consciência de suas máscaras e estarem buscando seu verdadeiro ser?

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Impulsos


Estava decidido, iria pegar o primeiro trem que passasse desde que não fosse o seu, queria ir para qualquer lugar menos ao trabalho. Estava resolvido que hoje seria diferente, seguiria os seus impulsos!

Droga! Tudo isso havia sido racionalizado, seus impulsos o diziam para ir trabalhar...

domingo, 28 de junho de 2009

UNO (para Day)


Estava na orla. Sentou-se em um banco e pôs-se a olhar o mar, acontecia algo estranho quando punha-se a admirá-lo: era como se perdesse a consciência de si, ao observar o mar por tempo suficiente nada mais existia. Não havia nada entre ele e o mar, tudo era mar. Sentia-se, por sua vez, observado. Lembrava-se sempre de uma frase que ouvira outrora: “quando se olha muito tempo pro abismo, o abismo também olha pra você”.
Levantou. Não gostava muito dessa sensação; queria sair dali o mais rápido possível. Entrou no primeiro ônibus que passava, sentou e observou, de soslaio, o mar que ficava para trás. Fechou os olhos e apoiou a face sobre as mãos – queria esquecer aquela sensação –, quando voltou a abri-los foi tomado de súbito: a sensação não o deixára, ampliára-se!
Não podia olhar o banco, as pessoas, o teto os as janelas. Desceu. Viu que havia um parque no lado oposto da rua, ao cruzá-la quase caiu, não só uma vez. Não percebia onde terminavam suas pernas e começava a rua. Olhou para o parque, precisava sentar. Sabia que a entrada estava a sua frente, porém não a distinguia das grades que cercavam todo o parque. Entrou.
Acomodou-se em um banco, tirou a garrafa d’água da mochila e molhou as faces e a nuca. Tudo havia voltado ao normal. Lembrou-se de algo que lera, fazia tempo, em um romance, “A Náusea”. Não importava o que o autor queria dizer, agora tudo tinha um significado próprio; lembrou-se da passagem onde o protagonista, sentado em um banco de parque, observava uma raiz e não a distinguia – não havia mais raiz.
Ora, ele estava em um parque. Olhou as grossas raízes de uma árvore próxima. Aquela mesma sensação estava de volta. Uma passagem no livro viera-lhe a mente: “a raiz, as grades do jardim, o banco, a relva rala do gramado, tudo se desvanecera; a diversidade das coisas, sua individualidade, era apenas uma aparência, um verniz.” Então olhou à sua volta, olhou a raiz e as grades, olhou o banco, o lago e o gramado. Sentiu que observava tudo e que tudo o observava. Nesse momento sentiu-se dissolvido no mundo como um iceberg no mar. Compreendeu que não havia separação, ele era o mar, o parque e o banco, que esses eram ele, percebe que aquele sentimento era infinitude e unicidade.
_Oh, meu deus!

segunda-feira, 22 de junho de 2009

O covarde da Janela


Ele observava o tempo passar e pensava: “O tempo está passando e não estou vivendo”. Mas era só... Apenas pensava, não se permitia viver. Criava para si obstáculos inexistentes e esperava pelo tempo em que não mais existissem.

Ele viu sua infância, sua adolescência e sua juventude, sua maturidade e sua velhice. Observou toda a vida, mas não a viveu: esse é o preço de ser um espectador.

O que ele não entendia é como pôde fazer isso. Como pôde, conscientemente, observar sem viver? Vale a pena, por medo de morrer, não se viver?

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Acidentes


Tenho fases

De falar e de calar

De sorrir e de chorar

Queimar e gelar

Amar e odiar


De sentir e ressentir

Comunhão e solidão

Ser e não ser

Negativo e positivo

Morte e vida


Disso e daquilo

Uno e Múltiplo

Início e fim

Enfim,

Fases de mim.

sábado, 13 de junho de 2009

O cientista cientificista

Estava em seu laboratório, ao redor: livros, computadores, máquinas, experiências inacabadas, projetos e teorias. Era um laboratório típico, daqueles a meia luz, onde sempre existe um cientista solitário e triste. Um homem que dedicou sua vida à ciência; um homem que abriu mão de sua vida em prol de seu trabalho.

Seu mundo, toda a sua vida era reduzida à equações, à lógica, à constantes tendendo ao infinito. Tudo deveria ser devidamente catalogado, atribuído a esse ou aquele ramo do saber e, posteriormente, explicado. Tudo tinha sua elucidação na ciência.

“Aquilo que não pode ser explicado cientificamente” – dizia ele – “simplesmente não existe. Não passa de devaneios de mentes simplórias buscando um significado para suas vidas vis e sofridas”.

Conhecia pseudo-explicações arbitrárias para todos os fenômenos: de poltergeist a discos voadores, de telecinése a telepatia. Não tinha amigos ou diversão, afinal a neurociência já havia provado que amor e felicidade não passavam de pulsos elétricos somados à algumas substâncias produzidas pelo cérebro com a finalidade de provocar tais e tais sensações.

Além do mais tinha um ótimo salário – em que era empregado todo o dinheiro ninguém sabia, não tinha amigos, não se divertia, não viajava, não vivia; de que adiantava seu ótimo salário? – e gozava da reputação e credibilidade de um cientista. Mesmo com todos os erros da ciência, no passado, no presente, e, certamente, no futuro, gostava de ver como as pessoas normais (não cientistas) reagiam à frase: “Isso está cientificamente comprovado”, fazia questão de dar certo ênfase à palavra Cientificamente.

Quando um cientista, vestido de jaleco branco e munido de um livro de baixo do braço, entra no recinto e profere a célebre frase, é o fim da discussão. Quem poderia dizer algo contra uma verdade científica – ale, é claro, da própria ciência?

Sentia-se, assim, o dono da verdade, o conhecedor do mundo.

Um dia, ao chegar em casa, foi direto para o escritório, – quarto era locar de descanso – estava estudando sobre as reações químicas de elementos leves no interior do sol. Ao seu lado, café. Terminando uma equação de três dias foi para o quarto, – era um quarto simples, tinha o básico, uma cama, um armário, um criado mudo com um copo d’água, era um dos menores aposentos da casa, servia apenas para dormir – sentou em sua cama, olhou pela janela e pensou: “Acho que estou enlouquecendo”.

No dia seguinte, aquele cientista renomado, ganhador de dois prêmios Nobel e professor de uma das melhores universidades do mundo, sem nem mesmo avisar, não foi trabalhar. Nunca em sua vida havia agido por impulso, mas naquele dia sentou que devia caminhar. O motivo? Não podia explicar.

Chegou em uma praça e viu um senhor que aparentava ter um pouco menos idade que ele, por volta de uns 55, o senhor estava sentado, havia outros bancos livres, mas pediu licença e sentou-se ao seu lado. Ele tinha um livro, o livro lhe chamou a atenção. Seus olhos treinados passaram rapidamente pela página aberta, onde conseguiu ler:

“Brilha, brilha estrelinha

Não me intrigas o que seja,

Pois, por visão espectroscópica

Sei que és, hidrogênio”

Ao ler franziu o cenho e uma sensação como a de um choque percorreu todo o seu ser. Não entendia e não podia aceitar que a ciência fosse transformada em poesia. “Poesia é coisa de vagabundo, de quem não tem compromisso com a verdade”. É o que havia aprendido , e é a verdade! Afinal, não há ciência na poesia,e, sendo toda verdade científica, como poderia haver verdade na poesia? De modo que, achou necessário iniciar uma conversa com aquele senhor.

_Desculpe, não pude deixar de notar que o senhor está lendo poesia.

_Sim.

_Olhe, sou um cientista, e tenho estudado toda a minha vida para alcançar a verdade. Ainda não a encontrei, mas sinto que me aproximo cada vez mais. Porém, não consigo entender o que buscam aqueles que estudam poesia.

_Também já fui um cientista.

Ao ouvir isso foi tomado de espanto e êxtase! A figura tão comum encontrada na praça tornara-se interessante! Era um cientista, como ele, e, no entanto, lia poesia!

_Como assim: “já fui”? – perguntou sem poder disfarçar a ansiedade – o que faz com que alguém deixe de ser um cientista?

O homem parecia calmo, sereno. Fechou seu livro, olhou pra frente como quem olha pra si mesmo, e disse:

_Fui cientista até o momento em que, por descuido, deixei de calcular e passei a pensar. Me deparei com a pior dúvida que um cientista pode ter; questionei-me: “O mundo, a realidade, é necessariamente racional, lógica, coerente e ordenada ou esse é apenas um modo de ver o mundo? Um modo cientificista nascido na Grécia há 2.500 anos? O mundo é naturalmente assim ou foi nisso em que foi transformado pelo socratismo*?” Percebi que não existe essa pretensa verdade buscada pela ciência.

Antes que pudesse dizer algo, o homem continuou:

_Não espero que entenda, não agora. O que quero dizer é que não conhecemos tudo o que existe, e, do que conhecemos, nem um décimo pode ser explicado, nem a milésima parte. A ciência é limitada, e nem tudo pode ser explicado. Sua busca é vazia, sua jornada sem fim. Existem mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã ciência. A ciência não é o único meio de acesso a verdade. É uma tentativa de racionalizar o mundo, de tornar inteligível tudo o que existe, subordinar a beleza à razão, a ciência busca impor a crença de que o único modo de conhecimento possível seja através da razão

O homem se levantou e saiu. Nosso cientista passou o resto da tarde sentado no mesmo local pensando sobre o que foi dito, ao fim pensou em voz alta:

_Ele não me respondeu o que procurava na poesia.

*Termo cunhado por Nietzsche no século XIX para se referir a um modo socrático de conhecer o mundo – considerado por Nietzsche cientificista e decadente.

domingo, 7 de junho de 2009

A Menina Dos Pensamentos Distantes



Era uma menina feliz, como tantas outras. Tinha amigos e namorados, como tantas outras. Sorria, cantava, pulava e dançava, como tantas outras. Mas nessa menina havia algo de diferente.
Seus amigos a olhavam e a percebiam distante, séria, quase estóica. Ao ser questionada respondia apenas:


_Estou pensando.


Seus pensamentos não eram triviais, pueris ou fúteis, eram pensamentos profundos, distantes. O que ela pensava era segredo dela. Ela sabia, e isso bastava. Pra que conversas se ninguém a entenderia? Sabia ser todo o seu pensamento subjetivo demais para qualquer outro.

Ela tinha necessidade de amigos, de pessoas que lhe fizessem sentir alegria. Necessidade de sair, cantar, pular e dançar, de viajar. Tinha necessidade de acreditar que era feliz. Mas essa menina também tinha necessidade de solidão.

Ao ficar só logo percebia a solidão existencial. Se via só no mundo. Sabia que era essencialmente só! Qualquer pessoa, por mais perto fisicamente que estivesse, estava distante anos-luz. Ela, apenas ela, é todo um universo, um universo distante de todos os outros, um universo distante que só quer viver e ser feliz. A consciência de sua solidão não a deixa.

A menina dos pensamentos distantes era só e sabia disso, como poucas outras.