domingo, 28 de junho de 2009

UNO (para Day)


Estava na orla. Sentou-se em um banco e pôs-se a olhar o mar, acontecia algo estranho quando punha-se a admirá-lo: era como se perdesse a consciência de si, ao observar o mar por tempo suficiente nada mais existia. Não havia nada entre ele e o mar, tudo era mar. Sentia-se, por sua vez, observado. Lembrava-se sempre de uma frase que ouvira outrora: “quando se olha muito tempo pro abismo, o abismo também olha pra você”.
Levantou. Não gostava muito dessa sensação; queria sair dali o mais rápido possível. Entrou no primeiro ônibus que passava, sentou e observou, de soslaio, o mar que ficava para trás. Fechou os olhos e apoiou a face sobre as mãos – queria esquecer aquela sensação –, quando voltou a abri-los foi tomado de súbito: a sensação não o deixára, ampliára-se!
Não podia olhar o banco, as pessoas, o teto os as janelas. Desceu. Viu que havia um parque no lado oposto da rua, ao cruzá-la quase caiu, não só uma vez. Não percebia onde terminavam suas pernas e começava a rua. Olhou para o parque, precisava sentar. Sabia que a entrada estava a sua frente, porém não a distinguia das grades que cercavam todo o parque. Entrou.
Acomodou-se em um banco, tirou a garrafa d’água da mochila e molhou as faces e a nuca. Tudo havia voltado ao normal. Lembrou-se de algo que lera, fazia tempo, em um romance, “A Náusea”. Não importava o que o autor queria dizer, agora tudo tinha um significado próprio; lembrou-se da passagem onde o protagonista, sentado em um banco de parque, observava uma raiz e não a distinguia – não havia mais raiz.
Ora, ele estava em um parque. Olhou as grossas raízes de uma árvore próxima. Aquela mesma sensação estava de volta. Uma passagem no livro viera-lhe a mente: “a raiz, as grades do jardim, o banco, a relva rala do gramado, tudo se desvanecera; a diversidade das coisas, sua individualidade, era apenas uma aparência, um verniz.” Então olhou à sua volta, olhou a raiz e as grades, olhou o banco, o lago e o gramado. Sentiu que observava tudo e que tudo o observava. Nesse momento sentiu-se dissolvido no mundo como um iceberg no mar. Compreendeu que não havia separação, ele era o mar, o parque e o banco, que esses eram ele, percebe que aquele sentimento era infinitude e unicidade.
_Oh, meu deus!

segunda-feira, 22 de junho de 2009

O covarde da Janela


Ele observava o tempo passar e pensava: “O tempo está passando e não estou vivendo”. Mas era só... Apenas pensava, não se permitia viver. Criava para si obstáculos inexistentes e esperava pelo tempo em que não mais existissem.

Ele viu sua infância, sua adolescência e sua juventude, sua maturidade e sua velhice. Observou toda a vida, mas não a viveu: esse é o preço de ser um espectador.

O que ele não entendia é como pôde fazer isso. Como pôde, conscientemente, observar sem viver? Vale a pena, por medo de morrer, não se viver?

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Acidentes


Tenho fases

De falar e de calar

De sorrir e de chorar

Queimar e gelar

Amar e odiar


De sentir e ressentir

Comunhão e solidão

Ser e não ser

Negativo e positivo

Morte e vida


Disso e daquilo

Uno e Múltiplo

Início e fim

Enfim,

Fases de mim.

sábado, 13 de junho de 2009

O cientista cientificista

Estava em seu laboratório, ao redor: livros, computadores, máquinas, experiências inacabadas, projetos e teorias. Era um laboratório típico, daqueles a meia luz, onde sempre existe um cientista solitário e triste. Um homem que dedicou sua vida à ciência; um homem que abriu mão de sua vida em prol de seu trabalho.

Seu mundo, toda a sua vida era reduzida à equações, à lógica, à constantes tendendo ao infinito. Tudo deveria ser devidamente catalogado, atribuído a esse ou aquele ramo do saber e, posteriormente, explicado. Tudo tinha sua elucidação na ciência.

“Aquilo que não pode ser explicado cientificamente” – dizia ele – “simplesmente não existe. Não passa de devaneios de mentes simplórias buscando um significado para suas vidas vis e sofridas”.

Conhecia pseudo-explicações arbitrárias para todos os fenômenos: de poltergeist a discos voadores, de telecinése a telepatia. Não tinha amigos ou diversão, afinal a neurociência já havia provado que amor e felicidade não passavam de pulsos elétricos somados à algumas substâncias produzidas pelo cérebro com a finalidade de provocar tais e tais sensações.

Além do mais tinha um ótimo salário – em que era empregado todo o dinheiro ninguém sabia, não tinha amigos, não se divertia, não viajava, não vivia; de que adiantava seu ótimo salário? – e gozava da reputação e credibilidade de um cientista. Mesmo com todos os erros da ciência, no passado, no presente, e, certamente, no futuro, gostava de ver como as pessoas normais (não cientistas) reagiam à frase: “Isso está cientificamente comprovado”, fazia questão de dar certo ênfase à palavra Cientificamente.

Quando um cientista, vestido de jaleco branco e munido de um livro de baixo do braço, entra no recinto e profere a célebre frase, é o fim da discussão. Quem poderia dizer algo contra uma verdade científica – ale, é claro, da própria ciência?

Sentia-se, assim, o dono da verdade, o conhecedor do mundo.

Um dia, ao chegar em casa, foi direto para o escritório, – quarto era locar de descanso – estava estudando sobre as reações químicas de elementos leves no interior do sol. Ao seu lado, café. Terminando uma equação de três dias foi para o quarto, – era um quarto simples, tinha o básico, uma cama, um armário, um criado mudo com um copo d’água, era um dos menores aposentos da casa, servia apenas para dormir – sentou em sua cama, olhou pela janela e pensou: “Acho que estou enlouquecendo”.

No dia seguinte, aquele cientista renomado, ganhador de dois prêmios Nobel e professor de uma das melhores universidades do mundo, sem nem mesmo avisar, não foi trabalhar. Nunca em sua vida havia agido por impulso, mas naquele dia sentou que devia caminhar. O motivo? Não podia explicar.

Chegou em uma praça e viu um senhor que aparentava ter um pouco menos idade que ele, por volta de uns 55, o senhor estava sentado, havia outros bancos livres, mas pediu licença e sentou-se ao seu lado. Ele tinha um livro, o livro lhe chamou a atenção. Seus olhos treinados passaram rapidamente pela página aberta, onde conseguiu ler:

“Brilha, brilha estrelinha

Não me intrigas o que seja,

Pois, por visão espectroscópica

Sei que és, hidrogênio”

Ao ler franziu o cenho e uma sensação como a de um choque percorreu todo o seu ser. Não entendia e não podia aceitar que a ciência fosse transformada em poesia. “Poesia é coisa de vagabundo, de quem não tem compromisso com a verdade”. É o que havia aprendido , e é a verdade! Afinal, não há ciência na poesia,e, sendo toda verdade científica, como poderia haver verdade na poesia? De modo que, achou necessário iniciar uma conversa com aquele senhor.

_Desculpe, não pude deixar de notar que o senhor está lendo poesia.

_Sim.

_Olhe, sou um cientista, e tenho estudado toda a minha vida para alcançar a verdade. Ainda não a encontrei, mas sinto que me aproximo cada vez mais. Porém, não consigo entender o que buscam aqueles que estudam poesia.

_Também já fui um cientista.

Ao ouvir isso foi tomado de espanto e êxtase! A figura tão comum encontrada na praça tornara-se interessante! Era um cientista, como ele, e, no entanto, lia poesia!

_Como assim: “já fui”? – perguntou sem poder disfarçar a ansiedade – o que faz com que alguém deixe de ser um cientista?

O homem parecia calmo, sereno. Fechou seu livro, olhou pra frente como quem olha pra si mesmo, e disse:

_Fui cientista até o momento em que, por descuido, deixei de calcular e passei a pensar. Me deparei com a pior dúvida que um cientista pode ter; questionei-me: “O mundo, a realidade, é necessariamente racional, lógica, coerente e ordenada ou esse é apenas um modo de ver o mundo? Um modo cientificista nascido na Grécia há 2.500 anos? O mundo é naturalmente assim ou foi nisso em que foi transformado pelo socratismo*?” Percebi que não existe essa pretensa verdade buscada pela ciência.

Antes que pudesse dizer algo, o homem continuou:

_Não espero que entenda, não agora. O que quero dizer é que não conhecemos tudo o que existe, e, do que conhecemos, nem um décimo pode ser explicado, nem a milésima parte. A ciência é limitada, e nem tudo pode ser explicado. Sua busca é vazia, sua jornada sem fim. Existem mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã ciência. A ciência não é o único meio de acesso a verdade. É uma tentativa de racionalizar o mundo, de tornar inteligível tudo o que existe, subordinar a beleza à razão, a ciência busca impor a crença de que o único modo de conhecimento possível seja através da razão

O homem se levantou e saiu. Nosso cientista passou o resto da tarde sentado no mesmo local pensando sobre o que foi dito, ao fim pensou em voz alta:

_Ele não me respondeu o que procurava na poesia.

*Termo cunhado por Nietzsche no século XIX para se referir a um modo socrático de conhecer o mundo – considerado por Nietzsche cientificista e decadente.

domingo, 7 de junho de 2009

A Menina Dos Pensamentos Distantes



Era uma menina feliz, como tantas outras. Tinha amigos e namorados, como tantas outras. Sorria, cantava, pulava e dançava, como tantas outras. Mas nessa menina havia algo de diferente.
Seus amigos a olhavam e a percebiam distante, séria, quase estóica. Ao ser questionada respondia apenas:


_Estou pensando.


Seus pensamentos não eram triviais, pueris ou fúteis, eram pensamentos profundos, distantes. O que ela pensava era segredo dela. Ela sabia, e isso bastava. Pra que conversas se ninguém a entenderia? Sabia ser todo o seu pensamento subjetivo demais para qualquer outro.

Ela tinha necessidade de amigos, de pessoas que lhe fizessem sentir alegria. Necessidade de sair, cantar, pular e dançar, de viajar. Tinha necessidade de acreditar que era feliz. Mas essa menina também tinha necessidade de solidão.

Ao ficar só logo percebia a solidão existencial. Se via só no mundo. Sabia que era essencialmente só! Qualquer pessoa, por mais perto fisicamente que estivesse, estava distante anos-luz. Ela, apenas ela, é todo um universo, um universo distante de todos os outros, um universo distante que só quer viver e ser feliz. A consciência de sua solidão não a deixa.

A menina dos pensamentos distantes era só e sabia disso, como poucas outras.