quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Ela

Proteção, muros e muralhas, quem não os constrói diante de si e ao seu redor? Todos nos protegemos contra os outros, não deixamos que se aproximem, que nos conheçam realmente. De fato, alguns constroem verdadeiras fortalezas com direito a exército de elite com armaduras forjadas a partir do lendário adamantium, protegidos por muros de diamante.

Vemos nas ruas rapazes fortes, altos com um semblante ríspido e óculos escuros para dificultar a aproximação. Um olhar mais analítico revela, entretanto, a insegurança em seus gestos: músculos contraídos, boca crispada, um olhar que não está perdido, mas que também não se fixa, acreditam poder usar seus músculos como proteção pra tudo. Retirando seus óculos vemos novamente a insegurança, desta vez, porém, acompanhada de certo receio – busca aceitação. Olhos não podem ser exercitados, não podem criar músculos.

Criamos nossas defesas em camadas, desde a mais singela, aquela que pode ser quebrada por um sorriso, a que deixamos que transponham ao brotar de uma amizade e aquelas forjadas com o metal dos deuses, a que somente em raríssimos casos pode ser transposta, aquelas cujos grilhões nem mesmo nós ousamos retirar-lhes e espiar por trás das pesadas portas.

Quando prestamos bastante atenção, por tempo suficiente, percebemos nossas muralhas ruírem, às vezes de mãos dadas às muralhas dos que nos cercam, às vezes em compasso diferente. Uma conversa: uma muralha a menos. Um gesto e lá se vai mais uma. A convivência derruba algumas e ergue tantas outras. A imagem criada para o mundo aos poucos se esvai, o material com o que foi construída se desgasta, conhecemos mais a pessoa e, como conseqüência, conhecemos mais também sua imagem e às diferenciamos, às distinguimos. Atitudes mais livres, dúvidas expostas, choros, idéias, comportamento, podemos ver tudo se alterando.

Mas, Ela? Ela é diferente, nunca usou armadura, não se escondeu, não precisou ocultar o seu Eu. É sempre a mesma, “na rua, na chuva, na fazenda, ou numa casinha de sapê”. Suas idéias e frustrações, segredos, personalidade não se alteram com o tempo ou a amizade. Ela se mostrou tal como é desde o primeiro instante e é assim que todos a conhecem. Uma pessoa livre de defesas, aberta ao conhecimento.

Disse isso a Ela um dia.

_Cuidado! Talvez minha armadura seja apenas mais resistente.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

(Sem título)

Sempre se sentiu só, em todos os momentos. Na sala de aula, com a família, com os amigos ou com o namorado, em um show ou no trabalho. Em uma tentativa particular de escapar da solidão mantinha-se sempre acompanhada, mesmo de pessoas às quais não estimava muito, sentia medo de sentir-se só. Conhecia a superficialidade das companhias meramente físicas – eram melhores do que nada, divertia-se com elas. Mas o sentimento de sua solidão não a abandonava.

Não podia entender o porquê de tal sentimento, afinal nunca estava só! Vivia no mesmo planeta que seis bilhões de outras pessoas (mesmo que cada uma delas vivesse em seu próprio mundo), eram raros os momentos em que não encontrava ninguém em sua companhia.

Pensava ela: “Mas o oposto à solidão não é a companhia? O contrário de estar só não é estar acompanhado?”

Seis bilhões de pessoas, cada uma em seu próprio mundo. Seria possível que nenhuma delas estivesse interessada em compartilhar o mesmo mundo que o seu? Foi pensando nisso que percebeu que estava errada, que ter várias pessoas em seu convívio não significava que ela não estaria solitária, percebeu que o oposto à solidão não é a companhia, o oposto à solidão é a intimidade.