Estava em seu laboratório, ao redor: livros, computadores, máquinas, experiências inacabadas, projetos e teorias. Era um laboratório típico, daqueles a meia luz, onde sempre existe um cientista solitário e triste. Um homem que dedicou sua vida à ciência; um homem que abriu mão de sua vida em prol de seu trabalho.
Seu mundo, toda a sua vida era reduzida à equações, à lógica, à constantes tendendo ao infinito. Tudo deveria ser devidamente catalogado, atribuído a esse ou aquele ramo do saber e, posteriormente, explicado. Tudo tinha sua elucidação na ciência.
“Aquilo que não pode ser explicado cientificamente” – dizia ele – “simplesmente não existe. Não passa de devaneios de mentes simplórias buscando um significado para suas vidas vis e sofridas”.
Conhecia pseudo-explicações arbitrárias para todos os fenômenos: de poltergeist a discos voadores, de telecinése a telepatia. Não tinha amigos ou diversão, afinal a neurociência já havia provado que amor e felicidade não passavam de pulsos elétricos somados à algumas substâncias produzidas pelo cérebro com a finalidade de provocar tais e tais sensações.
Além do mais tinha um ótimo salário – em que era empregado todo o dinheiro ninguém sabia, não tinha amigos, não se divertia, não viajava, não vivia; de que adiantava seu ótimo salário? – e gozava da reputação e credibilidade de um cientista. Mesmo com todos os erros da ciência, no passado, no presente, e, certamente, no futuro, gostava de ver como as pessoas normais (não cientistas) reagiam à frase: “Isso está cientificamente comprovado”, fazia questão de dar certo ênfase à palavra Cientificamente.
Quando um cientista, vestido de jaleco branco e munido de um livro de baixo do braço, entra no recinto e profere a célebre frase, é o fim da discussão. Quem poderia dizer algo contra uma verdade científica – ale, é claro, da própria ciência?
Sentia-se, assim, o dono da verdade, o conhecedor do mundo.
Um dia, ao chegar em casa, foi direto para o escritório, – quarto era locar de descanso – estava estudando sobre as reações químicas de elementos leves no interior do sol. Ao seu lado, café. Terminando uma equação de três dias foi para o quarto, – era um quarto simples, tinha o básico, uma cama, um armário, um criado mudo com um copo d’água, era um dos menores aposentos da casa, servia apenas para dormir – sentou em sua cama, olhou pela janela e pensou: “Acho que estou enlouquecendo”.
No dia seguinte, aquele cientista renomado, ganhador de dois prêmios Nobel e professor de uma das melhores universidades do mundo, sem nem mesmo avisar, não foi trabalhar. Nunca em sua vida havia agido por impulso, mas naquele dia sentou que devia caminhar. O motivo? Não podia explicar.
Chegou em uma praça e viu um senhor que aparentava ter um pouco menos idade que ele, por volta de uns 55, o senhor estava sentado, havia outros bancos livres, mas pediu licença e sentou-se ao seu lado. Ele tinha um livro, o livro lhe chamou a atenção. Seus olhos treinados passaram rapidamente pela página aberta, onde conseguiu ler:
“Brilha, brilha estrelinha
Não me intrigas o que seja,
Pois, por visão espectroscópica
Sei que és, hidrogênio”
Ao ler franziu o cenho e uma sensação como a de um choque percorreu todo o seu ser. Não entendia e não podia aceitar que a ciência fosse transformada em poesia. “Poesia é coisa de vagabundo, de quem não tem compromisso com a verdade”. É o que havia aprendido , e é a verdade! Afinal, não há ciência na poesia,e, sendo toda verdade científica, como poderia haver verdade na poesia? De modo que, achou necessário iniciar uma conversa com aquele senhor.
_Desculpe, não pude deixar de notar que o senhor está lendo poesia.
_Sim.
_Olhe, sou um cientista, e tenho estudado toda a minha vida para alcançar a verdade. Ainda não a encontrei, mas sinto que me aproximo cada vez mais. Porém, não consigo entender o que buscam aqueles que estudam poesia.
_Também já fui um cientista.
Ao ouvir isso foi tomado de espanto e êxtase! A figura tão comum encontrada na praça tornara-se interessante! Era um cientista, como ele, e, no entanto, lia poesia!
_Como assim: “já fui”? – perguntou sem poder disfarçar a ansiedade – o que faz com que alguém deixe de ser um cientista?
O homem parecia calmo, sereno. Fechou seu livro, olhou pra frente como quem olha pra si mesmo, e disse:
_Fui cientista até o momento em que, por descuido, deixei de calcular e passei a pensar. Me deparei com a pior dúvida que um cientista pode ter; questionei-me: “O mundo, a realidade, é necessariamente racional, lógica, coerente e ordenada ou esse é apenas um modo de ver o mundo? Um modo cientificista nascido na Grécia há 2.500 anos? O mundo é naturalmente assim ou foi nisso em que foi transformado pelo socratismo*?” Percebi que não existe essa pretensa verdade buscada pela ciência.
Antes que pudesse dizer algo, o homem continuou:
_Não espero que entenda, não agora. O que quero dizer é que não conhecemos tudo o que existe, e, do que conhecemos, nem um décimo pode ser explicado, nem a milésima parte. A ciência é limitada, e nem tudo pode ser explicado. Sua busca é vazia, sua jornada sem fim. Existem mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã ciência. A ciência não é o único meio de acesso a verdade. É uma tentativa de racionalizar o mundo, de tornar inteligível tudo o que existe, subordinar a beleza à razão, a ciência busca impor a crença de que o único modo de conhecimento possível seja através da razão
O homem se levantou e saiu. Nosso cientista passou o resto da tarde sentado no mesmo local pensando sobre o que foi dito, ao fim pensou em voz alta:
_Ele não me respondeu o que procurava na poesia.
*Termo cunhado por Nietzsche no século XIX para se referir a um modo socrático de conhecer o mundo – considerado por Nietzsche cientificista e decadente.