segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Chronos

Era noite de luau, estavam na praia, bebendo, conversando e cantando entre amigos, até que uma música lhe chamou a atenção:

“Hoje o tempo voa, amor
Escorre pelas mãos
Mesmo sem se sentir
E não há tempo que volte, amor
Vamos viver tudo o que há para viver!”

A cada vez que ouvia esse trecho repetia os mesmos gestos: levava a mão em direção à areia, enchia-a, mas não se preocupava em fechá-la de todo. Deixando assim que a areia escorresse entre seus dedos.
Já estava em estado de embriaguez, de modo que resolveu explicar o porquê de agir de tal modo – mesmo que ninguém houvesse perguntado.
“A areia escorrendo pelos dedos é a metáfora perfeita para a representação da passagem do tempo para o homem. A ampulheta, um recipiente de vidro por onde a areia –justo a areia!– escorria, movida apenas pela força da gravidade, da parte de cima para a de baixo, foi um de seus primeiros instrumentos de medição do tempo. Esse movimento, como qualquer outro, demanda determinada quantidade de tempo para ocorrer, conhecido o tempo necessário pra a transferência da areia esse instrumento poderia ser usado para medi-lo. Acredito que essa primeira relação entre homem e tempo perdure de algum modo até hoje, além do mais, essa é uma forma de sentir, literalmente Sentir a passagem do tempo. Ele, representado pela areia, escorre por nossas mãos, se a fecharmos o que nos resta? Talvez possamos reter alguns grãos, mas e toda a areia que passou entre nossos dedos, toda a areia que não podemos reter?

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Subjetividades

A sua frente um parque; árvores e bancos; crianças nos brinquedos; atrás de si a igreja da qual acabara de sair. Algo o intrigava: o padre falou sobre um lugar para onde as pessoas boas iriam depois da morte. Chamou-o paraíso, um lugar onde todos seriam felizes eternamente. Esse termo lhe pareceu, não desconhecido, mas vago... Porém aquilo o havia intrigado de tal forma que decidiu descobrir para onde iria após sua morte.
“Sou uma pessoa boa, vou para o paraíso,” – assim pensava a criança – “mas o que é o paraíso?”. E também pensou, como todas as crianças, que os pais saberiam lhe responder, afinal os pais sabem de tudo. De modo que foi ao encontro deles.
_Mãe! O que é o paraíso?
_Ah, o paraíso é um lugar lindo! É um jardim imenso, com flores, árvores e lagos onde todos estaremos vestidos de branco e viveremos eternamente em paz, sem guerras, fome, brigas nem nada disso.
_Mas não teria nada pra fazer?
_Como assim? É o paraíso! – Disse a mãe com tom de fim de conversa.
Não duvidou de sua mãe, mas ainda não havia compreendido. Resolveu perguntar ao seu primo mais velho.
_Primo, você sabe o que é o paraíso?
_Hump! O paraíso é um porre! Um bando de gente vestido de branco sentados em um jardim olhando a grama crescer, tédio total.
_Minha mãe disse que era perfeito.
_Pode ser pra ela, não pra mim. Prefiro ir para o inferno onde terá muita bebida, sexo e rock’n roll.
_Mas como você sabe que o inferno é assim?
_Não dizem que essas coisas são do diabo?
Embora a descrição do paraíso feita por seu primo fosse, em partes, semelhante à de sua mãe, axiologicamente era o seu oposto. O que era o paraíso afinal, a perfeição ou o tédio? Seria a perfeição um tédio?
Lembrou-se, então, que sua mãe adorava jardins, lagos e paz e que seu primo adorava o rock, bebida e, provavelmente, sexo. Percebeu que a descrição do inferno era, na verdade, o paraíso de seu primo. Percebeu que em seu paraíso haveria doces brincadeiras e vídeo game. Deu-se conta de que havia compreendido melhor do que sua mãe, seu primo ou qualquer outro o que é o paraíso.
Anos mais tarde seu filho lhe perguntou: “Pai, o que é o paraíso?” ao que lhe respondeu:
_O paraíso, meu filho, é uma questão pessoal.