quinta-feira, 13 de maio de 2010

Solidão a dois

Estava sentada em um banco de praça, como de costume alguém se aproximou. Já imaginava como seria: apenas mais um solitário em busca de companhia, mais um que não possuía vigor suficiente para viver sozinho, apenas mais um que se enganava, mais um que fingia adequar-se ao padrão, ao sacrifício da negação de si exigido pela sociedade moderna.
_Olá. O que uma moça tão bonita faz tão só?
Nesse momento sentiu o estômago revirar, nunca sentiu tanta indiferença – não! Não era indiferença, era mais – isso a havia afetado – era desprezo. Resolveu testar até onde iria.
_Olá. Não estamos todos sós?
_Todos? Ah, não. Vá me desculpar, mas olhe ao redor, olhe quantas pessoas conversando, se divertindo, namorando. Não acredito que estas pessoas estejam sós.
_ E você?
_Eu nunca estou só, tenho amigos. Caso os perca, ainda me resta minha família.
_Raramente os membros de uma mesma família são criados sob o mesmo teto.
_ Aha! –disse o ser tão desprezível, com ar de vitória – então você admite que meus amigos são minha família!
_Não admito nada, não ponha palavras na minha boca. Só quis dizer que os laços sanguíneos não o fazem menos só.
_Não sou só – ele repetia como se quisesse convencer a si mesmo.
_Não é só... – repetiu ela, desinteressadamente.
Passou-se algum tempo. O rapaz parecia estar procurando algo para dizer, ou talvez estivesse imaginando o que se passava pela cabeça de uma menina tão incomum. Não fixava os olhos em um ponto, não estava concentrado, suas pernas estavam agitadas, o nervosismo percorria todo seu corpo. A menina permanecia impassível, o olhar distante, o pensamento longe parecia nem mesmo se dar conta da presença da pessoa que julgou tão baixa e indigna.
_Não sou só! – Disse por fim.
Não se sentiu incomodada ao ser resgatada de seus pensamentos, não sentia mais desprezo só a habitual indiferença que tinha pela maior parte das pessoas, acreditava que uma das coisas mais simples de se perceber era a insignificância das pessoas. Não no geral, mas para cada um, sentia que pra ela quem importava eram as pessoas que amava e que assim é para todos os outros. Via na TV várias mortes por dia e sabia não sentir compaixão alguma por elas, na verdade não sentia compaixão por ninguém: considerava compaixão como uma permissão para o sofrimento – queria distância disso, distância de tudo que a fazia mal. E pessoas como a que a estava sentada à sua frente eram exemplos do que baixava sua auto-estima, mas já havia familiarizado-se com esse tipo de gente.
_Não é só? Quem está com você agora?
_Ei! Espere aí. Há uma diferença entre estar só e ser só. Estamos sós quando não há ninguém por perto e somos sós quando mesmo que queiramos não há ninguém por perto. –Ao dizer isso instintivamente inflou o peito achando que havia dito uma coisa e tanto e pensando como a garota se sairia.
_Então proximidade física significa não estar só?
_Ah, o que você chama de solidão então?
Nesse momento achou ser inútil continuar a conversa, arrependeu-se de tê-la permitido.
_ A solidão? Ela é tão presente entre os homens... Talvez o mais presente dos sentimentos. Todos, sem exceção, sentem-se só. Impossível não sentir. Olhamos ao redor, o que vemos?
_Vejo a praça, vejo pessoas! – Ele respondia quase como um reflexo, pura reação.
_ Vemos pessoas, são nossos iguais? Vemos animais, são nossos iguais? Quem poderia nos fazer companhia?
_Estou lhe fazendo companhia agora!
_Não mesmo.
_O que estou fazendo aqui então?
Achou melhor ignorar essa pergunta. Começou um monólogo consigo mesma.
_ Olhamos ao redor e nos sentimos sós, sabemos sermos essencialmente sós. Nascemos sós, vivemos constantemente sós e temos consciência disso. Não podemos nos expressar! Palavras não são suficientes! Sentimentos transbordam! Pensamentos! Subjetividade! Idiossincrasia! Precisamos não ser, precisamos de uma máscara para viver, criamos nossa imagem e a apresentamos, guardamo-nos para nós mesmos. A própria comunicação se revela impossível.
_Você é estranha, sabia? Não procura alguém pra dividir sua vida, seus problemas, não quer deixar de ser só?
_Prestou atenção no que eu disse?
_Não sonha em deixar de ser só? Em encontrar outro como você, em abandonar a solidão?
Pensou durante algum tempo...
_Sonho com uma dualidão.
...

4 comentários:

Thaís Leicam disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Thaís Leicam disse...

Esse texto me fez sentir mais só do que o normal :s

Rafael Shimoda disse...

hhummm..

Isso significa que meus textos estão tocando as pessoas...srsrsrs

Ulynhazinha disse...

Eo até já tinha lido ...
Mas dessa vez lendo tudinho
me fez perceber que a Thaís é mais solitária do que eo achava que era ... Ela está sempre só por mais que esteja acompanhada, é sozinha no mundo!